Street artists e enteados



Neste país, pequeno em território e ainda mais pequeno em mentalidade – porque pouco dado a contactos internacionais, fechado em si mesmo desde muito antes do regime de Salazar - , ser artista é um problema bicudo.


Definição: Artista - o que é afinal ser artista ?


Neste rectângulo docemente à beira mar plantado, ser artista é:

- um palhaço é artista;

- artista da bola - futebolista;

- artista do dinheiro dos outros, ou melhor - banqueiro, também;

- actor e actriz;

- apresentador de TV;

- modelos que se tornam: actores e actrizes, vá de entrar no barco em andamento;

- músicos que mostrem o sorriso maroto e a pernoca laroca;

- performers que mostrem a perna laroca e mais um par de botas, enquanto cantam e encantam;


E é tudo ! Lista finito !

Neste país, quem é street artist, quem pinta paredes – é rei.

Um Bordallo II, um Vhils – aí é artista.

Um desenhador de banda desenhada, um arquitecto, um locutor de rádio, ah – é artista !


Já quando se fala de “pintura artística”, chegamos ao twilight zone, ao misterioso triângulo das Bermudas, àquele que é o verdadeiro cerne do problema.


Porquê ?


Simples de entender o porque isto é assim um problema tão grande e tão bicudo:

- Um prédio pintado é arte devido à sua dimensão;

- Uma obra de Joana Vasconcelos é arte porque é tão gigantesca que tem mesmo de estar ao ar livre;

- Uma ponte coberta de tecido é arte porque é feita pelo artista- celebridade Christo e igualmente pela enorme área.


Se todos a podem enxergar ao longe – é Grande Arte !

Mas, meus amigos... não estamos aqui a falar de qualidade, mas sim de quantidade !!


Já quando chegamos à pintura de Vieira da Silva ou Mark Tobey, ou Paul Klee, ou as mini esculturas de Max Ernst, entramos na teia das questões realmente essenciais, questões eternas e eternamente não resolvidas, por responder.

“Isto” ser arte depende da cultura visual do espectador entender “isto” como arte.


E a média da cultura visual do público em geral é tão baixa que foi preciso criar esses guardiães do templo da arte chamados:

. Críticos de arte;

. Curadores de museus;

. Galeristas;

. Marchands;

. Leiloeiros;

. Especialistas vários;

. Etc, etc, etc…


Mas isto cria outros tipos de problemas, sendo que o principal é que praticamente todos eles e elas estão directamente implicados no jogo da inflacção galopante que este mercado impõe aos seus “peões” – logo, imparcialidade não impera por estas bandas…



en passant...


A mesma Vieira da Silva que alegadamente se tentou suicidar durante a sua estadia no Brasil, perante este estado de coisas actual nem tinha emigrado; mudava de profissão por aqui mesmo e estava o assunto resolvido.

Já Fernando Pessoa apenas conseguiu sobreviver ao marasmo e indiferença gerais da Tugalândia porque conseguiu por artes mágicas dividir a sua personalidade em múltiplas facetas para se manter entretido com os grandes e profundos pensamentos, enquanto a sua capa de manga de alpaca tratava da “vidinha” e da espuma dos dias do seu triste tempo.


Gostaria de fazer um aviso à navegação aos street artists que por aí andam contentes da vida e talvez até pensem que são os artistas mais criativos cá do burgo e arredores:

- No momento em que mais esta moda passar, os vossos serviços serão tão dispensáveis como os de um varredor de rua.


E, no entretanto, a legitimação social da grande e profunda arte dos Klee deste mundo continuou a ser adiada.


Para quê ? 

Ora, essa é fácil: Para que o espectáculo fácil e rápido dos performers de topo possa continuar a “rockar” !!

- YEAHHHH !! Rock and Roll, Baby !!


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