Vocações cruzadas
Usain Bolt é a mais recente vítima do fenómeno a que podemos chamar de
vocações cruzadas.
Ele queria ser jogador de futebol, mais concretamente no seu clube do
coração: o Manchester United.
Secretamente sonhava em voar sobre os centrais no mítico Teatro dos sonhos,
imitando talvez o irascível Cantona, ou o mais recente prodígio, o nosso bem conhecido Cristiano
Ronaldo.
Mas agora, aos 29 ou 30 anos, claro que é tarde de mais.
Foi – e bem – aconselhado a dedicar-se ao desporto onde poderia render mais
– desportivamente – e que lhe poderia render mais – em dinheiro e fama global.
Mas, não é o único desportista nesta lista:
Ricardinho, o melhor futsalista do mundo e arredores há anos e anos, também
quis experimentar o futebol de onze, mas pelo que julgo saber os seus treinadores desaconselharam-no
dessa vontade: mais vale ser um peixe grande num lago pequeno, do que um peixe pequeno num lago grande.
O genial Michael Jordan quis ser a certa altura um jogador de basebol, mas
a sua mediania neste desporto era evidente – assim como era evidente que ele lá
estava apenas para recuperar animicamente da perda de um familiar. Quando
regressou aos Chicago Bulls o basketball pôde finalmente regressar ao nível a
que estávamos – com ele – habituados.
Vanessa Fernandes ganhou tudo o que havia para ganhar no Triatlo feminino.
Depois, no pico da forma, abandona. Está agora a voltar a um nível que ainda
não se sabe qual vai ser. O factor psicológico no desporto de alto nível tem
uma influência fulcral.
As façanhas da multiplicação por vários desportos no tempo dos cinco violinos
pelas bandas de Alvalade são bem conhecidas – e sem dúvida impossíveis nos dias
de hoje, onde os contratos milionários e os advogados e os seguros reinam sobre
a vertente do puro amor ao desporto.
Há que entender uma coisa: uma lesão no futsal é apenas mais uma lesão –
salvo raras excepções, claro está.
Já uma lesão grave no futebol, ou soccer, como lhe chamam os americanos, é
algo que pode acabar com uma carreira e já está, ponto final.
O melhor exemplo é o lendário Van Basten: pancadas crónicas nos tornozelos, graves lesões agravadas por cirurgias que não correram bem, e por volta dos 30 anos, acabou-se.
Robinho foi mais um grande nome do futebol que também começou no futsal.
Os jogadores brasileiros têm muitas vezes essa ligação, desde bem novos.
Provavelmente a sua técnica tão especial é forjada em contexto de pavilhão,
e só depois é feita a transição.
Esta metodologia tem resultado – e de que maneira…
Milhares de futebolistas viajam todos os anos do Brasil para a Europa, e milhares de malas com $ viajam da Europa para o Brasil !
Há vasos comunicantes entre estas duas modalidades, e um modo comum de ver
o desporto; apenas muda a escala e a preparação física (estou a ser obviamente
minimalista).
Lembra-me outros mundos, outras artes: o mago do Novo Tango argentino, Astor Piazolla.
Ele queria seguir composição de música clássica.
Mas uma professora viu nele um talento genial num outro ramo da música.
E fez com que ele tomasse consciência de que era aquela a sua vocação,
aquele o seu destino.
O resto, como se costuma dizer…
É História.
(P.S.: "Os meus piores inimigos sempre foram os maus professores" - Pablo Picasso)
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