O último dos moicanos
Há fundamentalistas em todas as profissões:
. Professores de Matemática à antiga, que substituem as letras pelos
números.
. Antropólogos radicais, que preferem viver com outras espécies e deixar
totalmente a civilização, preferindo até a falta de contacto com humanos.
. Juízes que pairam no seu castelo de ideias sem descer à realidade
comezinha das coisas onde se faz e vive a vida, o quotidiano banal das casas e
das pessoas.
. Psiquiatras que se tornam praticamente eremitas, presas e presos no
pensamento do seu fundador.
. Astrólogos que como que fundam cultos de personalidade, a quem os
devotos prestam juramento de fidelidade até à morte e mais além.
. Professores de português que juram a pés juntos que sem os grandes
romances do século XX seríamos todos homens e mulheres das cavernas.
E há agora um novo tipo de fundamentalismo cultural, que funde várias
destas noções falaciosas, encabeçado pelo inevitável historiador Pacheco
Pereira:
. Que ele não gosta, mesmo nada, de novas tecnologias, já o sabíamos.
. Que a sua não utilização das redes sociais é um dos seus maiores motivos
de orgulho, também.
. Que para Pacheco Pereira quem não leu Guerra e Paz praticamente não
existe, também.
. Que a sua utilização da Internet se resumia a inserir artigos no seu blog
Abrupto (que abrupta e misteriosamente parece ter encerrado actividade), cujo design é
simplesmente horrível há anos e anos, também não é novidade.
A crítica que ele faz a websites como a Lulu.com ou Bubok, que são serviços
de publicação online de livros por via do novo processo POD – Print on Demand –
acusando-os de albergarem milhares de textos sem valor, esbarra num único
obstáculo lógico: ele próprio assume que… não os leu !!
Ora, como pode alguma alma saber que algo não tem qualidade, se pura e
simplesmente não a conhece..??!!
Para quem tem acesso imediato ao mundo dos mass media e das editoras - e que, por isso mesmo, basta dizer que está a preparar um livro para ele estar efectivamente publicado... é fácil falar dos outros !
Os outros todos, os que são autores desconhecidos, os que não têm contactos em lado nenhum, são esses de quem estou a falar.
Para quem tem acesso imediato ao mundo dos mass media e das editoras - e que, por isso mesmo, basta dizer que está a preparar um livro para ele estar efectivamente publicado... é fácil falar dos outros !
Os outros todos, os que são autores desconhecidos, os que não têm contactos em lado nenhum, são esses de quem estou a falar.
E Mark Twain, caro Pacheco Pereira, não tem qualidade ? Segundo a sua
lógica ilógica assim parece, pois que no início começou por escolher o sistema
de auto- publicação !
A crítica que, por sua vez, Lobo Xavier lhe lança, essa sim, faz todo o
sentido:
- E os programadores de informática, por exemplo, precisam de ler Guerra e
Paz para terem cultura ? Ou, por outro lado, têm a sua própria cultura de nicho
? – é mais ao menos isto que este advogado contrapõe, ele que pertence
felizmente a outra geração e tem a mente mais aberta a outros mundos.
E para intelectuais como Pacheco Pereira, que realisticamente são info- excluídos,
qual a ligação entre a cultura clássica e a cultura da informática e internet ?
Existe uma característica simples, que muitos opinadores de serviço e
políticos e professores universitários desprezam em absoluto:
- o humanismo - o humanismo não é ter uma biblioteca estilo Umberto Eco e fazer alarde da sua gigantesca cultura livresca; o humanismo é ter uma alma que sente empatia por outra alma, o
gostar de uma pessoa apenas porque se gosta, o valorizar do modo de ser, da
personalidade, do sorrir, do modo de estar e falar.
E fazer isto sem perguntar quantos livros essa pessoa leu - e sobretudo sem avaliar se foram os livros certos ou os errados !
E fazer isto sem perguntar quantos livros essa pessoa leu - e sobretudo sem avaliar se foram os livros certos ou os errados !
E, para atingir tal estado, eu tenho a certeza – apesar de não o ter lido –
que não é preciso ler Guerra e Paz !!
Pá… deixem o Tolstoi em paz…
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