Breve Tratado da Ganância Humana
. Quem vá à feira de arte BASEL na Suíça, ou ARCO em Madrid ou FIL em Lisboa,
vai ao engano;
. Quem entre numa galeria de arte contemporânea – praticamente qualquer uma,
à escolha – pensando que verá arte, posso garantir que do outro lado há alguém que vê apenas
cifrões;
. Quem frequente leiloeiras – sobretudo as de topo: Sotheby´s, Christie´s,
etc etc etc – não se discute arte, discutem-se números – e há aí várias
técnicas para esses números serem inflaccionados;
. Quem ponha os pés num museu pensando que a situação é diferente, encontrará o mesmo jogo do empurra, em relação ao verdadeiro valor de uma obra de arte;
. Quem visite grandes estúdios de artistas de renome, verá, não um artista,
mas dezenas de artesãos contratados, como uma qualquer fábrica de
electrodomésticos.
O que tem tudo isto a ver com arte, perguntam-me ? NADA. Não tem
absolutamente nada a ver com arte.
Ah, mas tem tudo a ver com a verdadeira primeira profissão da humanidade: o
lucro, a sede de dinheiro – e poder, porque mais dinheiro significa sempre,
nessas mentes iluminadas, maior poder.
É toda esta construção artificial à volta da arte, censurável ?
E deveriam ser os próprios artistas a tomar essa iniciativa, em vez de esperarem calmamente o seu lugar na fila da fama ?
Existem sequer, esses críticos ?
Sim, existem. E têm nome e ideias próprias, ideias essas que cada vez mais são unânimes entre os artistas.
E são vozes - felizmente - dissonantes, que colocam o ênfase - finalmente - na beleza da arte, em vez do seu valor facial.
Avelina Lesper é uma dessas vozes, que atacam sem perdão o status quo que se instalou de armas e bagagens no mundo da arte, e que ela qualifica sem problema como uma mafia.
E, no entanto, não concordo a 100% com Avelina Lesper, nem com outras personalidades críticas do mundo da arte que pululam por aí; alguns deles fazem vídeos
bastante criativos e engraçados, outros não escondem a sua afeição pela política
mais à direita, algo que assusta um pouco e faz lembrar o sinistro conceito da
arte degenerada ligado ao nazismo – mas adiante.
Pois bem, estas são as 3 razões estruturais da minha discordância - apenas parcial, diga-se de passagem - com a análise destes críticos:
1ª razão:
A óbvia e inacreditável confusão entre arte moderna e arte
contemporânea.
Mesmo eu, que sou adepto da não catalogação cronológica da arte,
não posso fugir a este argumento de peso.
As opiniões variam um pouco, no
entanto não fogem muito a esta ideia:
. Arte moderna – entre 1880 e 1960;
. Arte contemporânea – entre 1960 até pelo menos 2000.
. Arte moderna – entre 1880 e 1960;
. Arte contemporânea – entre 1960 até pelo menos 2000.
Avelina e os restantes metem
tudo no mesmo saco; quando falam de uma coisa pensando falar disso mesmo, estão
factualmente a errar e a mencionar uma outra situação.
Em arte – como em tudo –
está errado e esta não é nem nunca será uma boa metodologia de análise.
2ª razão:
A crítica generalizada ao que pode ser entendido como
manifestações da arte conceptual.
Antoni Tàpies é bastante claro neste aspecto; ele critica apenas parcelas da arte conceptual, e algumas das suas obras podem mesmo ser consideradas como pertencendo ao conceptual, um movimento tão influente quão polémico.
Antoni Tàpies é bastante claro neste aspecto; ele critica apenas parcelas da arte conceptual, e algumas das suas obras podem mesmo ser consideradas como pertencendo ao conceptual, um movimento tão influente quão polémico.
Uma das suas emblemáticas críticas: “O conceptual apresenta-se-nos
com um lírio de pureza anti- comercial na mão e com a ideia da desmaterialização
da arte, quando todos sabemos que em todo o lado a arte conceptual é comprada vendida
como batatas”
3ª razão:
Avelina e outros críticos não englobam movimentos fulcrais na sua
análise – arte pobre, minimalismo, expressionismo, o abstracto mais radical, etc – dedicando-se
a uma cândida noção do que é ou não estético – mas a arte muitas vezes
contraria esta análise tão simplista e a estética pura.
Basta recordar o livro
de Tàpies “A arte contra a estética” e a frase reveladora deste mestre das
artes visuais tout court:
“Uma atitude totalmente irracional pode ser válida em arte”.
“Uma atitude totalmente irracional pode ser válida em arte”.
Resumindo e concluindo:
Em artes plásticas vale a pena ter uma opinião profunda e bem fundamentada, para não
cair em certos contos do vigário, que se insinuam, bem camuflados sob a capa da
democracia plena.
Não me parece que seja o caso de Avelina Lesper; já quanto aos outros todos que
apanharam a sua boleia de crítica desenfreada e genérica, tenho sérias dúvidas das suas verdadeiras intenções.
Mais do que o algodão, o que não engana mesmo é o instinto humano...
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