O busto que Ri




Sobre a escultura de Ronaldo muito haveria a dizer, mas muito também já foi dito.

Vou debruçar-me sobre um aspecto que, apesar de negligenciado, é talvez o mais essencial.


As artes visuais são um terreno bastante complexo, porque lida com detalhes muito específicos.

Cada artista tem um estilo próprio (e se não tem, deveria trabalhar afincadamente para o conseguir).

Há até artistas que conseguem passar por vários estilos, como por exemplo Picasso, Richter ou Hirst.

Veio a público a informação de que o escultor do busto de Ronaldo seria autodidacta. Ora, este detalhe anódino que facilmente passaria despercebido é no fundo uma acusação ao bode expiatório mais fácil: o artista. 

Que o artista é mauzinho, que não sabe do seu ofício, e pronto temos o triste espectáculo de um país – e todo um mundo, acicatado por toda a irresponsável e infantil imprensa nacional e estrangeira – a rir do pobre coitado do artista de fim de semana que não sabe retratar um dos rostos mais mediáticos da actualidade.


Ora, o problema não está no artista. Eu explico:

Quem escolheu o artista ? – O político.

E este político, o que sabe ele de artes visuais ? Sabe o suficiente para escolher bem o tipo de arte e o tipo de escultor que este projecto precisaria ? – Pois, aparentemente, não.

Este tipo de encomendas criativas precisa – e contra mim falo, que sou artista dado a altos voos imaginativos e avesso portanto a practicamente todo o tipo de encomendas – de uma ideia muito concreta, desde o início, e também de um plano técnico para conseguir o objectivo pretendido.

Dar um plano vago e atribuir a concretização do mesmo a um artista autodidacta é puro suicídio.

Mas, será assim tão incomum ? – Nem por sombras: basta lembrar o inacreditável monumento ao 25 de Abril, que mais parece… vocês sabem do que eu estou a falar ! Neste caso atribuir a tarefa a um artista de nomeada é de novo um outro tipo de suicídio.

Ora, este tipo de obras de arte são símbolos sociais. Dar total liberdade artística é apenas lançar o artista às feras, e também contribuir para o descrédito dos artistas junto de toda a sociedade.


Mas o problema não está no artista:

O problema está na má consciência dos políticos, que optam por compensar a falta de apoios públicos às artes com a escolha apressada de artistas cujo estilo pessoal nada tem a ver com os objectivos que se querem atingir nestas obras de arte públicas e também com uma total e mal compreendida “liberdade criativa”. 

E assim está criado o caldo sociológico para o desastre mais do que previsível.


O povo, o povão, está a rir às custas de um só artista autodidacta.

Mas o que esse povo deveria estar a fazer era a questionar todo o processo que levou à atribuição deste projecto a um artista talvez inexperiente, levado a cabo por políticos que, não só não entendem patavina de artes visuais, como também destinam raquíticos orçamentos para a área cultural, incluindo obras de arte pública.


(ou disso já não se pode falar..?)


PS: Se houve concurso público para a atribuição desta tarefa a um artista, aparentemente o caso é menos grave; mas então, porque razão ninguém questionou, durante esse processo, a capacidade de representação realista do escultor ? E, se a escultura final não era do agrado da entidade que encomendou, para quê prosseguir na mesma com a inauguração pública do busto, oferecendo o flanco à chacota de todos ?

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