Nona Arte ... Em parte
Convenhamos: a banda desenhada, ou na vetusta expressão dos nossos irmãos
brasileiros história em quadrinhos,
tem ainda muito caminho a percorrer para ser considerada uma arte autónoma.
Nos dias que correm, deste presente tão ausente, a mais velha profissão do
mundo – a pintura rupestre (em que estavam a pensar ..?) deu lugar a uma
categoria que alegadamente mistura cor, palavra e imagem, sem contudo ser algo
mais do que apenas e simplesmente uma antecâmara para roteiros cinematográficos
em catadupa.
A auto- intitulada BD adulta – que não é a BD para adultos.. – pura e
simplesmente não existe: um mito, uma ficção, e passo a explicar o porquê desse
infeliz facto.
Corto Maltese de Hugo Pratt tem sido apontado pela maioria como o trabalho
que veio revolucionar a BD, que a tornou adulta.
Ora bem, vejamos então as falácias:
. Tem uma estrutura narrativa convencional ? – Tem.
. Tem personagens como todas as BD´s ? – Sim.
. Tem a regra da perspectiva lá pelo meio ? – Claro.
Então onde diabo Maltese se distingue de tudo o resto ?
Em duas coisas:
. Texto vagueante, digamos assim, tentando ser misterioso e pretensamente filosófico a todo o momento.
. e um desenho inacabado, que muitos criticaram por ser imaturo,
imperfeito, quase infantil.
Para quem como eu, leu O desejo de ser inútil - Memórias e reflexões, sobre Pratt, ficará com uma perspectiva talvez um pouco diferente - para pior - da sua obra.
Mas agora digam-me: são estes elementos - texto vagueante e desenho imperfeito - suficientes para que uma BD se assuma como
adulta ?!?
Não me parece.
Ah, mas há mais:
O Mercenário, de Vicente Segrelles. Há quem veja nesta BD e jure a pés
juntos que esta é a fusão perfeita das artes plásticas e da mais recente nona
arte.
Qual a razão?
- Pela única e especial razão de que cada quadradinho é
composto por uma tela pintada a óleo e de seguida digitalizada para encaixar na página.
Bom. Tudo isto é muito pouco. Pouco
demais.
Se realmente a BD quer ser levada a sério e ser realmente adulta, tem de
fazer muito melhor.
E se quer fazer essa muito ansiada e eternamente adiada fusão com as artes
plásticas, onde está a arte abstracta ? Onde, o expressionismo ? E as colagens
dadaístas ? E os contributos essenciais do surrealismo, incluindo a mítica mas
desvalorizada animação Destino de
Dalí e Disney; onde está o mea culpa do sistema - tanto da BD como do Cinema - e onde, finalmente, estão as colaborações
que poderiam mudar o paradigma ?
Mesmo Sin City, com um black and white brutal, estava destinado ao cinema,
atirou-se de braços abertos a esta transição, era ÓBVIO desde o início. O facto
de o próprio Frank Miller passar à realização no último filme demonstra esse
grande amor, que esteve lá desde sempre.
Chega-se a uma conclusão triste, desanimadora, cruel: os desenhadores de BD estão
tão acostumados à representação realista, que julgam que nada há para além dela
!
Neste contexto, um Roman Muradov, com o seu estilo altamente estilizado e fora da box, em
nada veio alterar a situação – é um ilustrador genial numa multidão de
desenhadores competentes de personagens, uma verdadeira fábrica que produz
produtos comerciais em série.
O verdadeiro problema de um desenhador de talento hoje em dia não é a falta
de qualidade da sua arte:
O seu verdadeiro problema é que ela é isso: ARTE.
E, num mundo inundado de mediania visual – BD incluidíssima – o destaque
que obtém, ao invés de positivo, marca-o para sempre:
Na mente e na alma daqueles que já abraçaram um sistema que conhecem de cor
e que sabem como funciona.
E, na arte como aparentemente em tudo, a previsibilidade é um valor em si
mesmo.
Nona Arte – RIP.
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