As pessoas certas para os paradigmas errados
Após o poço sem fundo financeiro da reconstrução europeia
(mas que simultaneamente criou um refém geo- político essencial), os Estados
Unidos da América decidiram conquistar o mundo por duas vias: as armas e o
intelecto.
A parte militar era demasiado fácil, como o nuclear no Japão
o provou cabalmente, e a devastação da 2ª guerra mundial ficou felizmente
confinada à velhinha Europa.
Ao contrário da ladainha oficial, as baixas dos EUA são
peanuts se comparadas às dezenas de milhões de mortes, e isto para pensar só na
Rússia.
A mítica batalha de Estalinegrado, por exemplo, cobrou 1
milhão e meio de vidas.
Para que se consiga perceber o nível de crueldade, as mães
russas decidiam qual o filho que iria sobreviver, pois o racionamento de
alimentos não chegava para toda a família. Quanto à batalha propriamente dita, é
sabido que a luta de trincheiras e de casa- a- casa condiciona qualquer
exército, por muito numeroso e poderoso que seja. Os bombardeamentos constantes
apenas adiavam essa luta. Ao recuar para a relativa segurança de Estalinegrado, os russos incendiaram tudo o que pudesse servir de alimento ao inimigo, e
contaram com a preciosa ajuda de um dos mais rigorosos Invernos de que há
memória, facilmente chegando aos 30 graus negativos...
Para se ter uma noção da dificuldade que a temperatura
colocava, conta-se que os alemães ao fazerem as necessidades fisiológicas ao ar
livre, congelavam em menos de 30 segundos.
Mas voltando à armadilha: os Estados Unidos precisavam de
tomar de assalto as mentes dos intelectuais, por todo o mundo – até para
contrariar a atracção destes pela teoria do “homem novo” do comunismo, algo que
tinha alastrado como um incêndio até ao próprio território americano, como o
prova a ”caça às bruxas” do MacCartismo no cinema nos anos 50. Neste contexto, o
filme de Woody Allen, “O testa de ferro” é apenas um grão de areia, e a
controversa homenagem da Academia a Nicholas Ray no fim da sua vida não deixa
dúvidas sobre o quão fracturante foi este assunto. Que eu desse conta, apenas
Warren Beaty e mais alguns bons samaritanos fizeram o favor de bater palmas…
mais de 4 décadas passadas, a memória não abandonou a comunidade
cinematográfica americana, perante um dos poucos cineastas que ousaram quebrar
o silêncio e colaborar com essa infame comissão pretensamente anti- comunista…
Falando de novo da armadilha perfeita: a fórmula é antiga e
simples: era necessário criar, não só um novo – e falso – paradigma de
pensamento, em cada área do conhecimento humano, como também produzir e apoiar
um intelectual- bandeira por cada uma destas matérias, alguém cuja
personalidade fosse devidamente calibrada e preparada para agradar às massas e
suficientemente humana para que as suas opiniões fossem aceites sem
contestação. Vou falar por enquanto de quatro destas áreas, apenas:
Linguística, Religião, Psicologia e Arte moderna.
Na Linguística criou-se o mito do intelectual esquerdista,
crítico das administrações americanas. Noam Chomsky dedica-se de alma e coração
aos aspectos formais – que não os estruturantes e de conteúdo – da Linguística,
ajudando a atirar ainda mais poeira para os olhos das pessoas, que são
paralisadas pelo medo do ridículo, da ignorância própria e, sobretudo, da
complexidade intelectual destes assuntos.
Na Religião, os americanos ajudaram os seus amigos lá da
“Terra Santa”, ao compor um paradigma religioso e histórico que é uma grande,
uma enorme impostura: o judaísmo enquanto raiz do cristianismo e uma diferença
estrutural e teórica em relação ao Islão que pura e simplesmente não existe...
Quanto à ideia de que o Médio Oriente é a zona mais antiga e
a mais complexa do ponto de vista religioso, ela apenas parece verdadeira em
alguns manuais de História do ensino no Ocidente. Karl Heinz- Ohlig contesta
abertamente esta ideia, defendendo a validade de um “novo” paradigma do divino:
em termos religiosos, a Ásia meridional é (e não o Médio Oriente) a região mais
complexa do mundo, pátria das antigas religiões do Budismo, hinduísmo,
confucionismo, tauismo e xintoísmo, bem como de formas de há muito
estabelecidas e localmente adaptadas do islamismo e cristianismo. Aqui entre
nós que ninguém nos ouve, ignorar o Xamanismo dá um grande jeito a quem quer
instrumentalizar politicamente a religião…
Chegando à Psicologia, Ben Webster demonstrou claramente a
existência de um lobbie judaico fortíssimo que se formou em certos núcleos
universitários na Europa e nos Estados Unidos, para forçar um tipo de
pensamento único, agressivo e castrador, que renegasse vários contributos
essenciais dos discípulos mais criativos de Freud: Adler, Jung, e muitos eteceteras.
E, para compor o ramalhete, falemos agora de Arte moderna.
Era essencial combater o bafiento realismo russo, e em plena guerra fria,
tomou-se a decisão. Para conseguir girar a bússola cultural de Paris (onde na
primeira metade do século XX eclodiram os mais variados, representativos e
revolucionários movimentos artísticos, desde o Dadaísmo, Cubismo ou
Surrealismo) em direcção aos Estados Unidos, era preciso um novo tipo de herói.
Ora, esse novo James Dean pôs-se mesmo a jeito: Jackson
Pollock era violento, explosivo, tinha levado o dripping (inventado, ao que
consta, por Max Ernst) a novos patamares criativos, sendo a escolha óbvia para
o “papel principal”, até porque dava a nítida sensação de ir morrer cedo e,
como dizia Warhol, “morrer jovem com um cadáver bonito” é sempre uma grande
vantagem… A morte tem o condão do Rei Midas: desde Van Gogh que é assim.
Um artigo na revista Life de 1949, em que surgia a pergunta
retórica: “É este homem o maior pintor americano vivo?”, foi o bastante para
rodar esse ponteiro dessa bússola cultural para o sítio certo. Nova Iorque
ganhava aos pontos a uma Europa já cansada de si mesma, adquirindo de um modo
aparentemente “limpo” uma legitimidade que desde então nunca foi contestada,
sem sequer precisar de subir ao ringue e mandar ou levar uns sopapos contra
ninguém: digamos que foi uma luta ganha por falta de comparência do adversário…
Concluindo: apostando nas pessoas certas, para representarem
os paradigmas de pensamento errados, “nada se perde, tudo se transforma”…
Quem diria que os nossos amigos americanos gostavam tanto de
Lavoisier?
E ESTA, HEIN??
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